sexta-feira, 26 de novembro de 2010

os óculos do john ou o olhar do paul?

Novembro de 2010 vai ficar na história. De gaúchos, de paulistas, de brasileiros de todos os cantos. De loucos e fanáticos por música, por Beatles, por ele. Não tive a oportunidade de assistir, mas acredito que isso foi compensado por milhares de fãs que percorreram quilômetros, agüentaram dias e horas em fila e abaixo de sol. Tudo pra ver Sir. Paul McCartney.
Paul McCartney em Porto Alegre - 07.11.2010
Foto:  Leandro Ineu

Pelo que li e pude ouvir, o cara levou a galera ao delírio. Em solo gaúcho, parece ter sido muito mais – com o perdão do nosso bairrismo. “Ele podia subir no palco e fazer qualquer coisa, que todo mundo aplaudiria igual. Mas ele mostrou que vive disso e pra isso”, comentou o meu amigo Leandro, que esteve a pouco mais de 20 metros de um lendário beatle, naquela noite de sete de novembro. “Ver aquele cara fazer dos acordes mais simples aos mais complexos foi uma coisa mágica, ainda mais por todo o envolvimento que eu tenho com a música”, recordou...


Além dos acordes, algumas palavrinhas para os gaúchos soaram mágicas também. Ouvir ninguém menos que Paul McCartney dizer “Ah, eu sou gaúcho” é pra arrepiar da cabeça aos pés. E soltar um “tri legal” seguido de um “bah,tchê” então, é de soltar o grito preso na garganta e perceber que o cara veio mesmo pra conquistar. Quanto carisma. E, quanto fôlego pra agüentar simplesmente três horas em cima do palco, sem perder a energia... com seus bem vividos 68 aninhos.

Abro, agora, um vídeo do show em Porto Alegre. Me arrepia. Se tivesse essa oportunidade, só por essa música, já valia. A música que Paul fez pra Julian quando seu pai, Lennon, se separava de Cynthia, traz a minha infância de volta. Ouvir 50 mil vozes cantando em uníssono trouxe arrepios constantes. Hey Jude, a música que a mãe e a Camila cantavam pra mim, sempre vai ser a preferida.
Recompondo a nostalgia, o passeio pelos vídeos me fez presenciar a euforia de toda aquela gente, quando ouviu um Paul gaúcho se manifestar. Por isso, tenho que compartilhar aqui aquilo que eu gostaria de ter visto ao vivo.


Paul mostrou e comprovou porque é tão consagrado. Porque segue sendo essa lenda, e um dos caras mais sensacionais que o rock já viu. Por isso, como contou o Leandro, não era a toa que ao seu lado tinham crianças e avós dividindo o mesmo espaço.

Ah. Espero que esses 50 mil pares de olhos em Porto Alegre, e 66 mil em São Paulo, tenham cruzado ou sentido de verdade a emoção do olhar do Paul...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

maria

Maria perambula cheia de sacolas pelo centro da cidade. Morena, estatura baixa e um pouco acima do peso, cabelos despenteados, as calças sujas e os sapatos rasgados. Mas quase sempre sorrindo. Só não sorri quando conta, indignada, a perversão dos policiais e dos bandidos vista por seus olhos.

O quarto de Maria é a parede de uma farmácia e a calçada de uma das principais ruas do centro da cidade. O teto é uma pequena proteção contra a chuva no canto da calçada. A luz é a lâmpada do poste da esquina. A janela do seu quarto é a rua, os pedestres, o vento, a geada, o frio.
Nas suas inúmeras sacolas, estão suas roupas e calçados. Em uma delas, fica sua cama: um colchão surrado e rasgado, com a espuma amarela visível. Tem o formato curvilíneo, o que indica ser um velho companheiro das andanças de Maria.
Em uma das sacolas, Maria carrega alguns disfarces. Entre eles, uma capa de chuva preta que quase encosta no chão. É sua diversão em noites de solidão.
Era uma noite chuvosa, e a Venâncio estava silenciosa e deserta. Maria observava os pingos no asfalto, que se alternavam entre uma fraca garoa e gotas intensas.
Ao lado do colchão em que estava deitada, em cima da pilha de sacolas, avistou um objeto. Uma pasta que parecia estar cheia. “De onde veio essa pasta?”, pensa Maria, e esfrega os olhos. Na sua distração ao olhar a chuva, alguém deve te-la deixado ali. Um presente de algum generoso? Talvez. Mas o que conteria?
Cuidadosamente, e observando se havia algum malandro por perto, tentou abrir. Uma espiada inicial. Espantada, não acredita no que vê. Para ter certeza, pega as cédulas e analisa uma por uma. Era muito dinheiro.
Feliz da vida e ainda sem acreditar, guarda o maço de dinheiro de volta na pasta. Olha para os lados e se certifica da rua deserta. Se não há ninguém , como e de onde esta pasta apareceu? “Só pode ser presente de Deus”.
Cheia de planos, Maria inventa mais uma de suas brincadeiras. Com a capa de chuva preta, uma gola erguida e um guarda-chuvas quebrado, começa a andar pelas ruas. Assusta um ou outro passante e ri sozinha. A pasta, cheia de dinheiro, debaixo do braço.
Gargalhadas altas. Agora, com dinheiro, poderá pegar de volta sua filha e sustenta-la. Comprar pão, presunto e queijo todas as manhãs. Ajudar os amigos da rua, sentir uma roupa decente, comprar uma casa, conhecer o outro lado do mundo, ser dona da rua inteira. Sorri, pula, comemora e os passantes a estranham. Maria grita.
Assustada, acorda com seu grito. A chuva continua caindo sobre o asfalto molhado e a rua segue deserta. Só se ouvem os pingos de chuva. O céu dá indícios do amanhecer. A capa de chuva que vestia estava molhada. No colchão e em cima da pilha de sacolas, não havia nenhuma pasta. Nem na sua mão, nem nos arredores. Acostumada, Maria caiu em si.
Mais um devaneio para sua coleção.